Quatro Luas

o outro lado do espelho da música da Europa. Domingos :22h-24h com repetição as quartas : 21h-23h, na AVEIRO FM 96.5

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Local: Aveiro, Portugal

sexta-feira, julho 13, 2007



Karnnos : “ Undercurrents and lost horizons” ( Portugal, 2006 – editado por Cynnfeird, França, distribuído em Port. por Equilibrium Music, Lx.

Os “arquitectos, pedreiros e ourives” que aos poucos tecem as malhas tentaculares que um dia governarão o mundo, sabem muito bem que a última resistência que encontrarão será também o último reduto da afirmação Individual – a Arte. E se a arte erudita vacila já há muito sob o controle dos louros chorudos dos grandes “centros culturais” e das fundações “G.I. Joe”, será na Arte popular, marginal, artesanal que vai residir a nossa derradeira esperança na liberdade criativa, na confrontação com o Big Brother post-neo-liberal.
O “Portugal” ancestral, pré-cristão, que ainda hoje respira, perdeu recentemente um dos seus mais distintos arautos colectivos – a unidade dúplice Karnnos/Wolfskin, de Chaves, desvaneceu-se na bruma para limbo incerto, suspendendo-se no tempo. É por isso que relembramos aqui “Undercurrents and lost horizons”, de Karnnos, esse magnífico exercício ambient-folk atmosférico que, ao lado de “Pátria Granítica” dos igualmente nortenhos Sangre Cavallum, trouxe em 2006 novo alento à música do presente nacional, As suas longas telas ambientais, de forte sugestão florestal e rigor pétreo, vão intervalando com suaves baladas folk, de irresistível apelo nostálgico de um futuro longínquo, pacífico, verdejante, uma nova idade de ouro (e não “do ouro...”). “J. Aernnus” foi o mentor sagaz, sujeito poético atento, cortante, inventivo, qual figura xamane capaz de invocar os mais justos dos velhos deuses dos nossos antepassados, escarnecendo da voluntária fila para o matadouro em vida a que acorrem os mortais, como moscas atraídas pelo rebrilhar dos dois gumes do usurário juro semita.
Para a história recente da “modernidade ancestral” lusa ficam obras como “A burial in flames” (estreia mítica, com saquinha de serapilheira, barba de milho, e vaga inspiração Blood Axis/Current 93), “Deatharch Crann”, o superior “Dun Scaith” e finalmente “Undercurrents and lost horizons”, como Triunfo de faina agrícola ao Ocaso, num país bicéfalo cujo fútil e quimérico rosto marítimo oblitera o interior. Vergonha para uns, Glória para outros...

domingo, julho 01, 2007



Peter Christopherson/ Threshold HouseBoys Choir : “Form grows rampant”, cd/dvd
(Reino Unido 2007, Threshold House / distr. Portugal:http://www.equilibriummusic.com/



6 graus de separação:
em 2007 Sarcozy anuncia vitorioso: “Il faut liquider Mai 68!”;
a partir de Maio de 1968, uma revolução conceptual na música jovem contemporânea alastra aos países ditos pilares da cultura europeia;
no Reino Unido, aos 18 anos, o jovem caloiro Neil Megson (aliás Genesis P.Orridge) futuro “drop-out” de Ciências Sociais, lança as sementes duma família musical que perdurará até ao presente (Coum, TG, PTV, Thee Majesty...);
em 75 com Peter “Sleazy” Christopherson e outros companheiros, forma os manipuladores de “contra-informação” Throbbing Gristle que, à sua oblíqua maneira, dão ainda eco distorcido às ruínas do pensamento libertário “68-ard”;

5) em 82, Christopherson forma os fabulosos Coil, com Jhonn Balance, que terminam com a morte deste em Outubro de 2004;

6) na Primavera em que Sarcozy rejubila enquanto presidente da “pátria da democracia moderna” (...!?), “Sleazy” Christopherson lança à queima-roupa mais um magistral trabalho de composição digital, inspirado num ritual tailandês de protecção, a que assistira em 2003, na ilha de Phuket (!), e cujas filmagens acompanham o disco em formato DVD (“viewer discretion advised”...). São 5 cinco longas peças de uma beleza hipnótica extrema, envolvendo-nos numa espécie de transe místico que reverbera em loop – aqui não há efeito crescente, Christopherson é um daqueles músicos que, mesmo não fazendo “música de massas”, sabe exactamente como agarrar o ouvinte à primeira- outros, esforçam-se por dar “música”, pão e circo, às tais massas.

Destacam-se obviamente todos os cinco temas de “Form grows rampant”, mas os temas de fecho e abertura estão cirurgicamente colocados nessa operação para a iluminação interior – “A time of happening” e “As doors open into space”. Pelo meio ficam “Intimations of Spring” e “So free it knows no end”, para além da longa “ So young it knows no maturing”, talvez a chave-mestra para os mistérios deste disco, que mais uma vez nos faz sentir que estamos mesmo em presença de um dos melhores momentos musicais deste curioso ano.
Finalmente, Sarcozy faria bem em escutá-lo e desse modo acalmar um pouco essa vontade de apagar a História...



Sopor Aeternus and the Ensemble of Shadows: “Les Fleurs du Mal”
(2007, cd digipack / gatefold 2lp + photo/lyrics book deluxe,
41 págs. 30/30cm+ 2 posters gigantes-
- Apocalyptic Visons Recs, Alemanha /
distr. Portugal :

www. equilibriummusic.com
A pitonisa gótica alemã ressurge com o seu trabalho mais acessível de sempre em cerca de 20 anos de actividade. Por vezes até sentimos receio em dizer estes números - com quase duas décadas de trabalho intenso, os Sopor Aeternus mereciam maior projecção e reconhecimento além fronteiras do seu nicho estilístico. Mas com Anna Varney e o Ensemble of Shadows teve que ser diferente; um “tranny” de voz gutural, dona de uma enorme expressividade teatral, envolta em tons de sensualidade mórbida – e o quadro gótico está completo.
Como se não bastasse, o novo álbum “Les Fleurs du Mal” teve também edição em duplo vinil, com capa dupla-livro, com uma apresentação gráfica de luxo em que, mais uma vez, o centro das atenções é a figura de Anna Varney Cantodea. Os temas são na sua maioria longos, garantindo a exigência de uma cuidadosa construção, que é conseguida com a ajuda de uma vasta gama de teclados e de instrumentos de orquestra, que apoiam temas de peso como Always within the hour”, “ In der Palästra”, “Helvetia sexualis”, “The simple joys of maidenhood” e “The Virgin Queen”.
Os mais indefectíveis incondicionais de Sopor Aeternus poderão contrapor que “Les Fleurs du Mal” carece do intenso lado mórbido patente em discos recentes como “Es reiten die töden so schnell” ou “La chambre d’echo”, mas será precisamente na toada de humor negro, de ironia iconoclasta e activista perante “certas” hipocrisias e fantasmas da “Europa-a-27”, que reside o inegável apelo deste novo duplo de Sopor Aeternus. Enquanto não o encomendam, os ouvintes de Quatro Luas poderão ter a certeza de o continuar a escutar com frequência aos domingos e quartas à noite na Aveiro Fm. A voz de Anna Varney faz já parte dessa imensa galeria de notáveis góticos que tanto perfila Rozz Williams, Andy Eldritch e Carl McCoy, como Nina Hagen, Klaus Nomi e – espanto dos espantos...- Marianne Faithful, de quem Anna soa por vezes estranhamente reminiscente. Uma Flor do Mal genérica com propriedades anti-depressivas...