Quatro Luas

o outro lado do espelho da música da Europa. Domingos :22h-24h com repetição as quartas : 21h-23h, na AVEIRO FM 96.5

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Local: Aveiro, Portugal

sexta-feira, novembro 03, 2006

SPIRITUAL FRONT / FINAL FANTASY
14.10.2006 Teatro Miguel Franco, LEIRIA

Naquela que foi a sua 2ª passagem por Portugal, os italianos Spiritual Front deram provas de serem uma das mais contagiantes bandas da nova música popular transalpina. Depois de terem assegurado, há dois anos atrás, a 1ª parte do concerto dos australianos Ostara em Xabregas, regressaram a acompanhar Owen Pallett, violinista dos canadianos Arcade Fire, numa "joint-venture" dinamizada pela Fade in Festival de Leiria e por Rui Carvalheira (Dagaz Music e Terra Fria - Sintra). Empenhados em fazer justiça ao brilho do novo álbum "Armageddon Gigolo", os Spiritual Front entraram a matar, sempre sob o domínio da presença electrizante do homem da frente, Simone Salvatori, que é nada menos que um dos mais carismáticos vocalistas da actualidade, dono e senhor de um sentido de humor por vezes alucinante, por outras, ácido e demolidor. A música dos Spiritual Front há muito que ultrapassou os limites da comparação fácil ao som dos Bad Seeds de Nick Cave - são canções sanguíneas, latinas, impregnadas de rock, mas vestindo a camisola do folk urbano de cantina, das canções bairristas e populares do "bas-fond" romano, reminiscentes de toda uma herança cinematográfica que tem Fellini e Pasolini como "bookends". Ver e ouvir temas como "Bastard Angel","Jesus died in Las Vegas", "I walk the deadline" ou outros mais antigos como os que integravam o split com os suecos Ordo Rosarius Equilibrio, praticamente resumiu a noite no Teatro Miguel Franco. Para quem se reclama da "suicide-nihillistic-pop", os Spiritual Front ( p.f. relacionar com a expressão inglesa "spirits", que se refere essencialmente a uma componente etílica...) revelam ao vivo uma faceta de coesão tipica de uma SWAT-team. BRAVISSIMO! Na 2ª parte assistimos ao "display" onírico-virtuoso do jovem Owen Pallett. Sem qualquer preconceito acerca da música do canadiano, que habitualmente contribui para o enriquecimento da paleta sonora dos Arcade Fire, a primeira impressão sobre o produto final "live" do seu one-man-project Final Fantasy é a de que há ali inúmeros sentimentos reprimidos, recalcados mesmo (veja-se o tema recorrente da rejeição paterna face à escolha artística do sujeito poético). No entanto, Owen domina notavelmente a arte do violino e sabe prender como ninguém os sentidos da multidão. E se ele tivesse passado a infância a ouvir precocemente os discos mais obtusos e esdrúxulos de John Cale? E se a gramática Residents tivesse ultrapassado fronteiras, esgueirando-se para Norte, para se materializar neste jovem Fausto musical do século XXI? Entretanto alguns mais entusiastas não se cansavam de pedir "clássicos" que Owen declinava com humor cínico e negro "como o seu coração"(sic). Como contraponto ao calor da discussão à beira de um ataque de paixão que inspiram as canções perfeitas dos Spiritual Front , ficou bem a frieza cerebral rica em spleen urbano e mistério, do alter ego Final Fantasy - ou não fosse ele canadiano. Em suma, uma grande noite de música (quase 3 horas!) e um imenso prazer partilhado pelo público dedicado e conhecedor que esgotou o Teatro Miguel Franco no passado sábado em Leiria.

João Carlos Silva