Quatro Luas

o outro lado do espelho da música da Europa. Domingos :22h-24h com repetição as quartas : 21h-23h, na AVEIRO FM 96.5

Minha foto
Nome:
Local: Aveiro, Portugal

sexta-feira, outubro 05, 2007





“Some people make Money and some people make History.”
-Tony Wilson (Manchester, 1950-2007)




Verão severo para o retrato de família dos valorosos da velha guarda musical – depois de Lee Hazlewood, foi a vez de Tony Wilson sair de cena, no passado dia 10 de Agosto, em consequência de ataque cardíaco, indirectamente relacionado com cancro renal. Tony Wilson não era músico – foi sobretudo um agente cultural com os olhos postos na realidade, um dedicado amante da música moderna, um notável ganhador de causas aparentemente perdidas e, ironicamente, perdedor de apostas que pareciam dar tudo a ganhar.
Até 1977, Manchester estava no mapa do rock à custa dos inimitáveis Van der Graaf Generator mas, após a chegada do punk-rock ganhou um fôlego diferente com os Buzzcocks, os Magazine e The Fall. O brilhante jornalista mancuniano Anthony Howard Wilson, ligado à cidade por laços mais que sentimentais, trabalhava então para a Granada Tv, depois de uma passagem pela BBC, realizando o programa de actualidades culturais/musicais “So it goes...” . Tal como muitos, assistira ao 1º concerto dos Sex Pistols no Lesser Free Trade Hall de Manchester em Junho de 76, epifania que lhe revelaria parte da carreira nos 30 anos subsequentes.
Seguiu-se a fundação da Factory Records, os fenómenos Joy Division/New Order (com a inerente tragédia existencial que traumatizou uma geração inteira...- emblemas mundiais da cidade, à parte o team encarnado), a parceria de management com Rob Gretton, o quase mecenato no acompanhamento da música ímpar de bandas protegidas como os Durutti Column e A Certain Ratio, a construção do sonho Haçienda (o clube mais famoso e impecavelmente “in” do centro-norte de Inglaterra), ou até mesmo a popularidade barraqueira duns Happy Mondays. Uma grande Aventura no universo da música.
Um dia, essa fortaleza que aparentava não ter fundações de areia, não resistiu à pressão das novas marés; a Factory escoa-se nas mãos da London, o Haçienda fecha portas e Tony volta a ser o eloquente jornalista, apresentador e moderador da Granada. Apesar da glória, não enriquecera como os outros à sua volta (em parte graças ao buraco orçamental resultante do desatino boçal, drogado e delinquente dos irmãos Ryder, envoltos numa nuvem tóxica durante a gravação do 2º Mondays...as ovelhas ronhosas do lote Factory).
Tony decide então empenhar-se numa campanha pela regionalização do noroeste, ganhando localmente mais admiradores e rancorosos inimigos a nível nacional. Quando recentemente lhe foi diagnosticado cancro renal, é-lhe também negada pelo Serviço Nacional de Saúde a comparticipação no dispendioso medicamento “Sutent” (3500 libras / mês !). Pelas suas convicções ideológicas autenticamente socialistas, Tony não acreditava em fundos de saúde privados e viu assim fugir-lhe a hipótese de mais tempo de vida, numa altura em que o NHS incrementou apoios na aplicação de bandas gástricas e cirurgia estética (!).
Enquanto a BBC lhe prestava tributo nacional, a edilidade de Manchester decidiu colocar a Union Jack a meia haste, porque Tony Wilson não foi “apenas mais um empresário do rock”. É a altura ideal para o relembrar no magnífico “24-hour party people”, filme de Michael Winterbottom, onde a figura de Wilson é magistralmente recriada pelo excelente Steve Coogan.
Tal como o colesterol, há a boa e a má globalização – Tony Wilson foi um visionário agente da primeira, sempre com obstáculos no caminho... outros “Tony’s” (até ver), tiveram melhor sorte.