Quatro Luas

o outro lado do espelho da música da Europa. Domingos :22h-24h com repetição as quartas : 21h-23h, na AVEIRO FM 96.5

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Local: Aveiro, Portugal

sexta-feira, outubro 05, 2007



“Dying really drives your price up ! ”
- Lee Hazlewood (Mannford,Oklahoma,1929-Las Vegas,Nevada,2007)

É difícil conceber o mundo da música popular sem Lee Hazlewood. Às vezes procuramos por figuras verdadeiramente transversais neste oceano de génios, talentos e heróis de trazer-por-casa e raramente deparamos com um nome que satisfaça as nossas paixões musicais. Lee Hazlewood foi tudo isso – e fê-lo com grande classe. A vida de um compositor que trabalha na retaguarda, invariavelmente para a fama de terceiros, é sempre duplamente dificultada – pelo espalhafato gerado à volta dos seus protegidos e pelas letras pequenas entre parêntesis que geralmente lhe dão o discreto crédito que lhe paga o salário. Atravessar em glória estes portões é a marca dos audazes.
Desde o final dos anos 50 que Lee teve de esgrimir ombro a ombro com outros vultos da canção popular norte- americana, de Johnny Cash a Elvis, de Carole King a Richard Carpenter ou de Gram Parsons a Brian Wilson. Revelou-se na década de 60 como a eminência parda ao lado da filha rebelde do “The Voice” (Nancy Sinatra), numa América mergulhada em cruzadas asiáticas, dominando com fácil e rara mestria uma panóplia de géneros musicais, do country & western ao hillbilly , do bluegrass ao rythm and blues e o mais que houvesse, assim como a quem sai uma série royal de mão ao poker. Sobreviver à década de 70, com os altos e baixos típicos dos génios, só agigantou a lenda, atestando publicamente que aquele homem de bigode “chaparral” e olhar trocista era mais que um cowboy franco-atirador no show-biz
Músicos como Hazlewood ficam para a História não pelos álbuns que fizeram (e foram muitos) – são antes as Canções, enquanto fugazes momentos de criação, que perduram nos nossos ouvidos. Entre o seu vasto legado é praticamente impossível não reconhecer em fracção de segundo a linha de baixo que empurra “These boots are made for walking” rollercoaster abaixo , ou não ter a atenção subitamente alvejada pela expressão “honeymoon in a prefab sprout” na acanalhada “Jackson” , e num flash constatar in loco onde Paddy McAloon foi buscar inspiração para o nome da sua bandinha-maravilha nos 80’s, ou ainda, para cruzar esse grande canyon de exemplos que Lee deixou, sentir a meticulosa alquimia no erotismo de fronteira em “Sand” (onde reside um impensável solo de guitarra em “reverse”, num irresistível psicadelismo de “pueblo” western spaghetti!), no destino de amor telepático de “Sundown” e no enigma da linguagem freudiana que atravessa “Some Velvet Morning”, talvez a sua canção mais intemporal, onde a partir de uma secção de cordas onírica inicial, se entrecruzam referências mitológicas clássicas e inuendos de natureza química ( em que Phaedra sugere efedrina...), por entre as cercas de um rancho imaginário, povoado por vestais sibilinas que encantam vaqueiros de esporas cobertas de areia... - a areia do tempo que para Lee chegou ao fim a 4 de Agosto, morte no Verão sob um sol vermelho vivo, nos arredores de Las Vegas.
Fina ironia (também seu atributo) – sai de cena trinta anos após o meteoro-rei Elvis, cuja fama sobreviveu à custa de toneladas de marketing; durante esse tempo Lee não teve muito que fazer para ver a sua popularidade crescer junto das várias gerações que voluntariamente partiram à sua descoberta. Que não tardem as reedições integrais!